Força da Justiça

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terça-feira, 5 de agosto de 2014

Para Camila (e Sophia, por extensão)

Em geral, mulheres mães me procuram angustiadas quanto à possibilidade da filha ou do filho passar a pernoitar com o pai como extensão do direito à convivência familiar. Narram aflitas a ausência paterna no cotidiano da criança e um certo desrespeito ao modo como elas, mães sozinhas, guiam a educação dos filhos. 
Quanto mais nova a criança for, mais desesperador é o relato. Afinal, também faz parte do respeito à criança preservar a condução de uma alimentação saudável, perceber e respeitar horários de sono e etc, ainda que - sabidamente- rotinas possam ser um tanto adaptadas, fazer da mãe presente uma vilã e do pai, com "participação especial mensal", o "cara legal", coloca no alvo do sofrimento a própria criança. E quando  ainda é amamentada, a angústia e o desespero não parecem substantivos aptos a resumir o quadro, talvez a palavra mais apropriada seja mesmo: dor.


Abro o primeiro parênteses para dizer que me pauto na história de mulheres mães corajosas, verdadeiras, capazes de se auto-analisarem para proteger seus filhos e conduzir o próprio processo de amadurecimentos. São estas mulheres que felizmente me procuram e as histórias que ouço me permitem a liberdade de escrever esse texto.

Peço licença para dizer que escreverei como quem e para quem se reconhece no direito de sentir. Sim, sentir, sentimentos. Ou seja, aqui os termos jurídicos entrarão depois – e se for o caso.

Dizer da angústia em saber que seu filho ou filha poderá ficar por horas longe do resguardo materno é quase que sempre mal interpretado pela ideologia machista que transita em boa parte das escutas, passando pela vizinha, Judiciário e até mesmo pela família. Por vezes, a primeira interpretação é a de que se trata de retaliação, afinal a mulher “só” pode estar se sentindo rejeitada por aquele homem que é pai da criança e por isso “inventa” questões. Junto a isso vem a questão de “tornar a criança dependente de si”, não cooperar para a autonomia do filho  para tornar a criança dela dependente e a distanciar do pai e blablablá. 
Infelizmente é assim que a mulher é ouvida muitas vezes: como a costela de Adão. Em outras palavras, a mulher é vista como aquela “que já não é mais esposa, companheira, namorada de fulano de tal e com ele tem um filho”.

A legislação determina que o superior interesse da criança é o que deve prevalecer e se o contexto é de pais que garantem a integridade física e emocional, há de se pensar que a criança deve estar ao lado da família materna e paterna. Ocorre que quando não há consenso sobre a possibilidade da criança pernoitar na casa do pai, tem-se quase um automatismo nas decisões judiciais que, em boa parte, pautam-se pela idade e pelos esteriótipos já mencionados.

Embora estudos mais sérios apontem a idade de dois anos como ponto de partida para o fim da fase de maior dependência da mãe, há uma tendência de entender a afirmação de forma incompleta, afinal o dito indica ponto de partida e não o fim.
Ademais, ainda que a criança conte com mais idade, cabe aos pais o esforço de manterem o respeito ao ritmo da criança, a forma que tem sido orientada. Algo importante que garante maior tranquilidade à mãe e segurança à criança.
  
Ocorre, porém, que quanto maior o conflito entre os pais, maior também é a chance dessa rotina básica não ser preservada quer seja por capricho ou por falta de diálogo mesmo.

Conflitos acontecem e, por muitas vezes, são inevitáveis e não devem ser depositados exclusivamente na conta da mulher e, tampouco, descontados na criança. Em casos, por exemplo, em que o pai ausente ingressa com a ação de regularização de visitas e consegue levar a criança que mal o conhece e vice-versa até para outra cidade, aconteceu tudo, menos um estudo aprofundado que levasse em consideração a própria criança, como determina o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção dos Direitos da Criança.

Penso que devemos ter coragem para questionar o automatismo do Poder Judiciário nestas decisões bem como o machismo, classismo e racismo institucionais. Ser mãe neste país nos põe em situação de vulnerabilidade por todos os lados, quando o ideal era termos o reconhecimento de que geramos a vida e a maternidade nos fortalece. Então, busquemos estar juntas e nos reconhecermos como mulheres que somos (que dádiva!)





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