Força da Justiça

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domingo, 21 de dezembro de 2014

Projeto nº 117/2003 sobre guarda compartilhada: VETE-O, PRESIDENTA!

Querida Presidenta reeleita Dilma,


Vete o Projeto Lei do Senado de nº 117/2003. 

Primeiramente porque ele é, no mínimo, mal redigido, para não dizer mal intencionado ao criar uma confusão entre guarda compartilhada e guarda alternada, não contemplada em nosso ordenamento. A confusão está explicitada desse sua justificativa, na qual é citado trecho do discurso de uma juíza que, inclusive, usa o termo "menor" ao invés de criança e adolescente, e que fala, dentre outros, da possibilidade de domicílio alternado. Embora o PL não tenha explicitamente mencionado domicílio alternado, indica "tempo de custódia fixa dos filhos deva ser dividido de forma equilibrada" de convívio entre os filhos e "cidade base de moradia", ou seja, se não declarou explicitamente, faz de maneira implícita, o que induz a erros de interpretação, algo grave.

Ora, Presidenta, na guarda compartilhada o que mais está em jogo não é o tempo dividido de forma igualitária ou equilibrada e nem fixação de cidade base de moradia, pois a criança ficará com uma das partes, morará com ela e terá, queira ou não, mais tempo com esta. O cerne da guarda compartilha é o ideal no qual mãe e pai possam refletir conjuntamente sobre decisões a serem tomadas para o melhor interesse do filho e, assim, terem todos qualidade crescente na relação. A preocupação por "custódia física" e cidade domicílio são discussões típicas do regime de guarda alternada. Ademais, o termo custódia física parece ter semelhança com a doutrina da situação irregular,  na qual o termo menor, significativo da coisificação de crianças e adolescentes, fez, infelizmente sentido com a prática de outrora, algo que a Constituição Federal de 1988, Convenção dos Direitos da Criança, o Estatuto da Criança e do Adolescente romperam radicalmente. 

Compartilhar, ao contrário da justificativa cheia de contradições do Projeto Lei, possui sim a condição anterior da vontade dirigida a amar e pensar o destino de um filho. A lei não tem o poder de alterar a ausência de vontade e forçar essa condição fere frontalmente o dever de proteção a crianças e adolescentes. O Projeto Lei tem sim evidente o intuito de coisificar a estas, tornando-as objetos de experiência na qual juízes agora teriam que aplicar a guarda compartilhada ao perceberem que pai e mãe possuiriam, em tese, a condição de a exercer. Ou seja, em nome de obrigar a Magistratura- é o que pretende equivocadamente o Projeto -  a ter outro entendimento do que seria "sempre que for possível", como determinou a lei da guarda compartilhada que modificou o Código Civil, aliada ao bom senso da vontade mínima do pai e da mãe, criou-se praticamente um automaticismo no qual pouco importará a saúde emocional da relação entre pai e mãe e destes com os filhos, o que importará mesmo é criar a ilusão de que a obrigatoriedade do cumprimento de uma super decisão judicial funcionou ao obrigar os envolvidos a pensarem e refletirem a respeito dos filhos É mesma ilusão de legislar para tornar o amor obrigatório.

O Projeto Lei é tão confuso que, em sua justicativa, afirma haver perda de tempo do Congresso Nacional ter aprovado a Lei da Guarda Compartilhada, se o  número das sentenças a esse respeito não foi significativo, e que esta situação poderia beneficiar pessoas de má fé. Houve perda de tempo, então, quando a lei que definiu a alienação parental foi aprovada e sancionada? 

Sim, é um projeto de lei com cara de "bom senso", afinal seria o melhor para a criança ter pai e mãe decidindo juntos questões cotidianas e importantes, só que os "mas".

Para se compartilhar a guarda de alguém, ainda mais de uma criança, há, como é preciso repetir,  critérios anteriores: amor verdadeiro, vontade, empenho, reflexão, responsabilidade. Não é isso que vemos, infelizmente, na maioria dos pais. Vejo-os desfrutando de todo privilégio que o machismo produz e não há lei que mude esse mentalidade. Trabalhei, como coordenadora do Projeto Defendendo o direito à Convivência Familiar da Defensoria Pública de São Paulo em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em 2009, por alguns homens, pais-educadores, ou seja, pais de verdade, que sofreram com o "revés do machismo" por não serem ouvidos pelo Poder Judiciário, uma vez que "homens" devem apenas prover, leia-se pensão alimentícia, e não educar, papel da mulher, mãe. Homens que eram vistos como quem tem algum interesse obscuro na disputa da guarda de uma criança ou o que o valha (reinserção familiar na questão de acolhimento institucional), mas não tenho receio de dizer, são minoria. O que vi e vejo é uma fila imensa de mulheres mães em Fóruns querendo saber do processo de reconhecimento de paternidade, de pensão alimentícia e ouço também homens se eximirem do papel de cuidadores porque a "ex-mulher" não deixa, chego a sentir vontade de chorar, poupem-me, parece que até a luta na justiça para defender o direito dos filhos tem mais a cara de uma mulher do que a de homem.

Então pergunto: dentro desse quadro machista, explorador, como tornar obrigatório amar verdadeiramente uma criança, colocando-se a si mesmo em segundo plano?

Não tenho dúvida de que o Projeto Lei foi pensado também com base na situação desses pais de verdade, uma vez que diz que o não incremento da guarda compartilhada beneficia pessoas de má fé. Sendo a maioria esmagadora de guardiãs formada por mulheres, só posso vir a crer que o autor do Projeto falou sobre pais em situação judicial injusta, mas para isso há a lei que versa sobre a alienação parental, como já mencionado, e a necessidade que beneficiaria a todas e todos de humanizar o Poder Judiciário.

A legislação atual já dá diretrizes coerentes, no qual o que se deve atender é o que melhor se demonstrar para a criança.

A Constituição Federal de 1988 afirma que é dever de todos proteger a criança de toda forma de negligência, opressão e etc (artigo 227), ou seja, cabe nos casos que chegam ao Judiciário, haver estudo sério por profissionais competentes para que a verdadeira proteção seja concedida.

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, cujo patamar está abaixo da Constituição Federal e acima de todas as demais leis, determina, em seu artigo 3, que:

1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.

Essa é e deve ser a maior premissa. Tornar a guarda compartilhada obrigatória (sim, porque não ouvir os pais a respeito e deixar de a aplicar só se uma das partes se opuser é criar o automaticismo e retomar a coisificação de crianças) viola, ao meu ver, a Convenção porque rompe com a ideia maior de estudar com atenção e seriedade, em cada caso concreto, o que é melhor para Caio, Laura, Juliana, Caíque, cada criança com seus anseios, desejos... Obrigatoriedade gera automaticidade, o que nada tem a ver com a beleza e complexidade humanas.

O Código Civil, que deve obedecer a Constituição Federal e a Convenção dos Direitos da Criança, seguiu a trilha e não determina a obrigatoriedade nem da guarda unilateral e nem da compartilhada. Afirma acertadamente que esta deve ser incentivada. Repito: incentivada.

E o Estatuto da Criança e do Adolescente deveria ter seus princípios seguidos, que são baseados na Constituição Federal e na Convenção dos Direitos da Criança, em todos os casos em que houvesse interesse de criança na discussão. É uma lei que muito nos ensina sobre ouvir, respeitar, sentir @ outr@.

Repito, sem medo de errar, o tal projeto confunde guarda compartilhada com guarda alternada, sequer existente no Direito Brasileiro, no qual a criança mora alternadamente na casa dos pais, o que prova que deputados e senadores precisam estudar mais.

Caso esse projeto não seja vetado, penso que o Brasil dá força ao machismo mais uma vez e retoma o Código de Menores. Assim todo argumento de uma mulher sobre a impossibilidade de compartilhar a guarda de sua criança com o pai desta vai ser entendido como mágoa, retaliação, uso de criança como objeto de vingança... Em uma rede de discussão ouvi, inclusive, poucas mulheres argumentando serem a favor do projeto para acabar com anos de injustiça a pais verdadeiros. Como demonstrei só um pouquinho, essa injustiça não advém da lei e sim do olhar viciado da prática, viciado não à toa, mas que indica também a necessidade de mudança no trato com em geral com as pessoas que se vêem diante do Judiciário para resolver alguma questão. Mesmo olhar que, aliás, impõe, na prática, que pais arquem com 30% do seu salário para pensão alimentícia (porcentagem inexistente na lei de alimentos) e que mães assim arquem com praticamente toda sua remuneração. Importante também lembrar que não temos controle externo da magistratura;

Caso o projeto lei seja aprovado, talvez casos sombrios, horrorosos, tornem-se emblemáticos e apontem na pele de crianças esse erro infeliz e irresponsável.

Por essas razões me junto a outro número infinito de mães que pedem o mesmo: vete esse Projeto Lei. Temos muita luta diária neste país que, embora os avanços, ainda pouco assegura direitos à infância e adolescência, violenta mulheres, precisa discutir os ensinamentos de Laura Gutman sobre maternidade. Seria honroso respeitar o tempo de amar nossas crianças e bem cuidar delas e pouparmos de conduzir uma batalha no STF sobre controle de constitucionalidade, convencionalidade, se acaso este projeto tornar-se lei.


#vetadilma!#

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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Guarda compartilhada

O Senado aprovou, por unanimidade, o Projeto Lei nº 117/2013 de autoria da Câmara dos Deputados, que obriga que a guarda de crianças e adolescentes seja compartilhada, ou seja, direitos e deveres iguais para pais e mães. Recebi uma postagem do Senador Suplicy com uma foto na qual @s Senadores comemoravam o resultado. Confesso ser fã do Senador Suplicy, mas pensei "até tu, Brutus"...

Espero ansiosamente, sinceramente, escancaradamente o veto da Presidenta Dilma por várias razões, explicarei algumas.

Primeiramente é um projeto de lei com cara de "bom senso", afinal seria o melhor para a criança ter pai e mãe decidindo juntos questões cotidianas e importantes e blablablá. Só que tem o "mas".

Para se compartilhar a guarda de alguém, ainda mais de uma criança, há critérios anteriores: amor verdadeiro, vontade, empenho, reflexão, responsabilidade. Não é isso que vejo, infelizmente, na maioria dos pais. Vejo-os desfrutando de todo privilégio que o machismo produz e não há lei que mude esse mentalidade. Trabalhei por alguns homens, pais-educadores, ou seja, pais de verdade, que sofreram com o "revés do machismo" por não serem ouvidos pelo Poder Judiciário, uma vez que "homens" devem apenas prover, leia-se pensão alimentícia, e não educar, papel da mulher, mãe. Homens que eram vistos como quem tem algum interesse obscuro na disputa da guarda de uma criança ou o que o valha (reinserção familiar na questão de acolhimento institucional), mas não tenho receio de dizer, são minoria. O que vi e vejo é uma fila imensa de mulheres mães em Fóruns querendo saber do processo de reconhecimento de paternidade, de pensão alimentícia e ouço também homens se eximirem do papel de cuidadores porque a "ex-mulher" não deixa, chego a sentir vontade de chorar, poupem-me, parece que até a luta na justiça para defender o direito dos filhos tem mais a cara de uma mulher do que a de homem.

Então pergunto: dentro desse quadro machista, explorador, como tornar obrigatório amar verdadeiramente uma criança, colocando-se a si mesmo em segundo plano?

A legislação atual já dá diretrizes coerentes, no qual o que se deve atender é o que melhor se demonstrar para a criança.

A Constituição Federal de 1988 afirma que é dever de todos proteger a criança de toda forma de negligência, opressão e etc (artigo 227), ou seja, cabe nos casos que chegam ao Judiciário, haver estudo sério por profissionais competentes para que a verdadeira proteção seja concedida.

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, cujo patamar está abaixo da Constituição Federal e acima de todas as demais leis, determina, em seu artigo 3, que:

1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.

Essa é e deve ser a maior premissa. Tornar a guarda compartilhada obrigatória viola, ao meu ver, a Convenção porque rompe com a ideia maior de estudar com atenção e seriedade, em cada caso concreto, o que é melhor para Caio, Laura, Juliana, Caíque, cada criança com seus anseios, desejos... Obrigatoriedade gera automaticidade, o que nada tem a ver com a beleza e complexidade humanas.

O Código Civil, que deve obedecer a Constituição Federal e a Convenção dos Direitos da Criança, seguiu a trilha e não determina a obrigatoriedade nem da guarda unilateral e nem da compartilhada. Afirma acertadamente que esta deve ser incentivada. Repito: incentivada.

E o Estatuto da Criança e do Adolescente deveria ter seus princípios seguidos, que são baseados na Constituição Federal e na Convenção dos Direitos da Criança, em todos os casos em que houvesse interesse de criança na discussão. É uma lei que muito nos ensina sobre ouvir, respeitar, sentir @ outr@.

Ainda, o tal projeto confunde guarda compartilhada, na qual a criança tem um domicilio fixo, com guarda alternada, sequer existente no Direito Brasileiro, no qual a criança mora alternadamente na casa dos pais, o que prova que deputados e senadores precisam estudar mais.

Caso esse projeto não seja vetado, penso que o Brasil dá força ao machismo mais uma vez. Assim todo argumento de uma mulher sobre a impossibilidade de compartilhar a guarda de sua criança com o pai desta vai ser entendido como mágoa, retaliação, uso de criança como objeto de vingança... situações que já discutimos por aqui. Em uma rede de discussão ouvi, inclusive, poucas mulheres argumentando serem a favor do projeto para acabar com anos de injustiça a pais verdadeiros. Como demonstrei só um pouquinho, essa injustiça não advém da lei e sim do olhar viciado da prática, viciado não à toa, mas que indica também a necessidade de mudança no trato com em geral com as pessoas que se vêem diante do Judiciário para resolver alguma questão. Mesmo olhar que, aliás, impõe, na prática, que pais arquem com 30% do seu salário para pensão alimentícia (porcentagem inexistente na lei de alimentos) e que mães assim arquem com praticamente toda sua remuneração.

Caso o projeto lei seja aprovado, talvez casos sombrios, horrorosos, tornem-se emblemáticos e apontem na pele de crianças esse erro infeliz e irresponsável.

#vetadilma!#

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