O ponto não é considerar que alguém
mofar na prisão vá resolver a criminalidade (nem uma, nem duas, nem as 812 mil pessoas atualmente presas, cuja
metade nem condenação tem), tampouco achar que a solução para quem sai do
sistema carcerário seja a condenação moral perpétua (isca perfeita para
reincidência), a questão entorno do goleiro Bruno é outra.
O Brasil é um
país do futebol, contando com quem goste ou não disso. Assistir ao jogo de
futebol do seu time joga no campo uma série de recordações, frustrações,
ansiedades, saudades, desejos, manifestações políticas, devaneios e
adoecimentos (na maioria das vezes, coletivos...tal como a modalidade esportiva
de que tratamos).
Falando em
adoecimento, o Brasil está pandêmico. No dicionário, pandemia significa
“enfermidade epidêmica amplamente disseminada”. Sim, desde o último pleito
eleitoral o racismo, o machismo tem sido amplamente disseminados. Amplamente
disseminados e com a habilidade brasileira de não precisar oficializar e sim
fazer.
Políticas
públicas de afirmação racial cortadas, homicídios praticados pela Polícia
Militar em alta (com Projeto de Lei que amplia o conceito de legítima defesa a
favor de agentes estatais podemos imaginar que “o mais do mesmo”, corpo negro
como alvo, irá aumentar), maior ameaça do que outrora às populações indígenas e
quilombola ... Na questão de gênero, houve aumento de 76% dos casos de
feminicídio já no primeiro trimestre do ano, sendo que a cada 10 casos, 8
mulheres foram mortas dentro de caso; e, ainda assim, setores conservadores
(importante pensar no termo conservar) mobilizam-se para que as escolas sejam
igualmente conservadoras e não discutam gênero de uma forma a superar a masculinidade tóxica (porque de gênero se fala em todo lugar, difere-se apenas no assumir isto e qual condução se dá à discussão).
É nesse contexto
que choca a disputa de times pela contratação do goleiro Bruno. É o segundo
momento em que isto acontece. Condenado, em 2010, pela morte e sequestro de
Eliza Samudio, mulher com quem teve um filho e achou por bem não ser
importunado mais com cobranças sobre sua responsabilidade paterna,
“eliminando-a”, como no mata-a-mata do sistema eliminatório do futebol. Contou
com a velha solidariedade masculina de amigos e com a ajuda, em grau subalterno, de
duas mulheres de suas relações íntimas. Bruno também foi condenado à pena de 22
anos de prisão por sequestro e cárcere privado de Bruninho, seu filho, que
tinha apenas 4 (quatro) meses de vida, fase de alimentação exclusiva de leite
materno, de conexão profunda com a mãe.
O clube que o
contratou é o Poço de Caldas, o Vulcão, do Estado de Minas Geral, justamente onde
Eliza Samudio foi morta (na cidade de Vespasiano). Aliás, Bruno é mineiro, de
uma cidade pequena chamada Ribeirão das Neves, tendo sido a referência para as
crianças dali no momento de sua ascensão no futebol. A posição de goleiro depois de Rogério
Ceni, Dida, Taffarel, Cássio, Aranha passou a ser de escolha, de talento, de quem
sabe defender (por vezes, dentro e fora do campo, no exemplo de Aranha).
Em sua página
social o Vulcão se manifestou “Nosso trabalho é um trabalho social dando
oportunidade para todos. Em breve estaremos anunciando uma grande contratação
(...)”. Ótimo, mostrem suas ações em defesa dos direitos das crianças e
adolescentes que sonham em jogar futebol, mostrem com atuam em consonância com
esses direitos, mas parece que a escolha foi a de contratar um rapaz que tirou
a vida da mãe de uma criança de 4 meses de idade e torná-lo “referência” do
trabalho social. Difícil conjugar. Difícil digerir.
Sendo uma pessoa
pública, o feminicídio praticado por Bruno contra Eliza tem contornos ainda mais
educativos, assim como todas as ações que se dirigirem a ele ou que forem por
ele praticadas porque são "amplamente divulgadas". Casou-se durante o período de prisão, antes contou com os
melhores advogados e hoje com uma advogada; durante uma concessão de saída, foi
flagrado rodeado de mulheres, dá autógrafos, enfim, o que podemos e devemos fazer? Antes
que falem que a razão de toda essa desgraceira está nas mulheres, vale
ressaltar que a educação de gênero conservadora e dominante dos grandes meios
de comunicação, por exemplo, literalmente “coloca na cabeça das pessoas” a
ideia de que “a culpa é da mulher”, “daquela mulher que não se deu o valor”,
portanto, ainda inúmeras são as pessoas, incluindo mulheres, que acreditam, por
exemplo, que Bruno teve má sorte. Talvez agora bem casado com uma “boa mulher”,
mas ainda assim “sabe maria chuteira como é”, sabe como é “homem não controla
seus instintos”.
Bruno não
deveria voltar à posição profissional anterior, que tivesse chance de
recolocação profissional, o que deveria valer para todos e todas que estão no
sistema carcerário brasileiro (parte sequer teve a chance do primeiro emprego,
então, devemos falar em colocação profissional digna). Vale deixar bem explicado: a tragédia envolvendo Eliza Samudio e Bruno é dolorosamente exemplificativa, todos os casos que envolvem figuras públicas devem ter o mesmo raciocínio, não dá para que cometeu feminicídio voltar ao estado anterior, ainda mais se figura pública. Sobre Bruno, ainda no viés exemplificativo, que fosse obrigado a
participar de grupos reflexivos sobre masculinidade. Que pudesse falar para as
crianças e adolescentes que observam que a forma com que a maioria de homens
adultos tratam mulheres é inconcebível, que ele errou ao desviar o foco da sua
profissão para desfrutar de mulheres como se fossem comida de gente ou de cães,
objeto de uso de prazer e que por isso não poderia jamais voltar a ser goleiro. Como goleiro, Bruno defenderá seu time, o que o contratar. Agora os times defenderão o quê com esse time de contratação? O que representará, na idade adulta, crianças e adolescentes terem um ídolo que matou a mãe do filho de 4 meses de vida?
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