Força da Justiça

Força da Justiça

domingo, 19 de outubro de 2014

Espelho

Enfrentar inúmeros tipos de preconceito e discriminação é enlouquecedor ou quase. 

Pensei no que escrever, pois quero este espaço vivo a ponto de me aproximar de outras mulheres guerreiras que precisam de ajudam. Então, vou botar neste "papel" o que vier.

Quando uma amiga, uma conhecida ou até mesmo desconhecida desabafar com você alguma violência vivida, um "amor" que fragiliza ou qualquer outra situação difícil para ela, ouça, sobretudo empreste seus ouvidos. Se não souber o que falar, reconheça. Acredite, confessar isso te dará a permissão de pensar melhor e, em consequência, dizer algo que possa ser de fato acolhedor. Coisas como "mas você o ama", "homem é assim mesmo", "se dê o valor", "seja superior", "o mundo é assim, fazer o quê?" são enfraquecedoras em boa parte das vezes.

Ouça as histórias como se fosse o espelho falando contigo. Você pode pensar agora: "que horror, eu nunca fui ofendida por um homem!" Pode até ser (será mesmo? há ofensas silenciosas), mas dificilmente alguém nessa vida não enfrentou a experiência de se sentir maltratada por uma pessoa e não saber o que fazer e mais: sentir "afeto" por ela. Colocar-se no lugar (espelho) não significa naturalizar a violência. Infelizmente é comum, mas ser normal é outra coisa totalmente diferente. 

Colocar-se no lugar de outra pessoa, buscando referência de situações semelhantes vividas é, para mim, reconhecer sentimentos, perceber-se igual, enquanto ser humano, e o passo seguinte é identificar que o mesmo sentimento como raiva, por exemplo, pode desencadear reações diferentes, conforme cada pessoa e aí está o direito à diferença, amigo do direito à igualdade, caminham juntos. Há quem sinta raiva e grite, há quem engula, há quem só vai sentir a raiva bem depois do que aconteceu, há quem adoeça...

Com a experiência do espelho, os "conselhos" podem se transformar, já não é mais o "se eu fosse você, procuraria uma advogada" (esse "se eu fosse você" dá a impressão de superioridade, ainda que não seja a ideia) e pode vir como uma pergunta: "e se você procurasse uma advogada?". Veja só que legal, aparece uma pergunta que quer ouvir uma resposta, pois em um diálogo é assim que funcionam as coisas, todas as pessoas envolvidas nele tem experiências , ideias para compartilhar. Melhor ainda quando a pergunta envolve o 'nós': " e se nós procurássemos uma advogada?". 

Esse exemplo vale para outras situações. Ouvir, por-se no lugar, compreender o sentimento, abrir mão de receitas, pensar junto.

Apoio, presença. 

Uma mais uma é sempre mais que duas (peguei emprestado de Beto Guedes e adaptei para nós).

Asè


2 comentários:

  1. Fernanda Loure mandou, pelo face, este sentir aqui:
    Um desabafo de quem sente a vida no âmago do ventre. Como é cansativo e desgastante morar na Paulista,é o porteiro me perguntando toda hora em que apartamento vou, me pedindo pra entrar pelo elevador de serviço, se saio pra ir ao supermercado com minhas filhas que obviamente são negras como eu e os filhos brancos da minha amiga me pergunta se sou babá, e eu respondo que são todos meus pra ver se essa gente cala a boca. É foda ter que lidar com isso todo dia. Servir um coffe break e participar do curso de Economia Colaborativa, na Escola São Paulo e ser a única mulher negra no espaço todo, mais o segurança que provavelmente não dever reconhecer sua etnia. É foda esse mundo da forma como está organizado, porém tenho esperança de que os movimentos que tenho me engajado como a minha desescolarização e a não escolarização das minhas filhas, trabalhar e viver em rede são alguns dos caminhos pra um novo mundo.

    ResponderExcluir
  2. FernandaLoure parabens pela coragem de dar este depoimento vivenciado quase que cotidianamente de tantos preconceitos que nossa sociedade nos dispões, afinal quando se ouve falar em preconceito, vem sempre relatado na terceira pessoa, tornando assim sempre tudo tão distante de todos.

    ResponderExcluir