Força da Justiça

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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Alienação parental e alienar-se parentalmente

Estou bem pensativa nesses dias sobre o tema da alienação parental, mas sob a ótica do alienar-se parentalmente, ou seja, quando deliberadamente a ausência paterna (é o que tratarei aqui, sabidamente há casos de ausência materna em menor número) na vida de uma criança, aliena esse "papel".

Há muito trabalho tanto como educadora como advogada na orientação de pais sobre como o bem estar da criança é que deve nos direcionar e realmente acho isto. Nessa trajetória percebi sim vários casos em que a criança era usada como objeto de barganha de algo ou como vingança e, como geralmente somos nós, mulheres, a assumir a responsabilidade pela educação, os casos que teria para contar são sobre mães que dificultavam o contato do pai com o filho ou filha como forma de obter atenção ou de, como já dito, vingar-se da relação mal sucedida. Há também casos em que o interesse é financeiro. 

Só que esmagadoramente as situações expõem o contrário: mães que trilham solitariamente a maternidade não por opção, mas porque quem seria o parceiro na relação com a criança decide se alienar da responsabilidade e para tal inventa mil desculpas ACEITAS pelas pessoas sem muito questionamento. De forma geral, as desculpas tem a ver com responsabilizar a mãe da criança pela alienação paterna. Ah, mas pode ser qualquer outra pessoa ou situação, para estes pais o fato é que não assumem qualquer responsabilidade. Aliás, há aqueles que pagam pensão alimentícia não como participação na sobrevivência d@ filh@, mas como trunfo para se alienarem emocionalmente da vida de quem contribuíram para vir ao mundo.

Em voga a questão da alienação parental, trazida acertamente pela Lei 12318/2010 que a define como a " interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. "

Não tenho dúvida de que comportamento tão prejudicial às crianças e adolescentes deva ser identificado o mais rápido possível e medidas responsáveis sejam tomadas. A alienação parental existe desde muito tempo e só quem passou por ela e a percebeu pode dizer que se leva a vida toda para cicatrizar as feridas. Só que não encontro na legislação algo que me conforte quanto à omissão paterna (o que aqui reflito a respeito). Pensando nas hipóteses mais graves, ainda não vejo muito sentido nelas, parecem-me que favorecem os homens que não são pais de verdade. Destituir o poder familiar de quem nunca se importou com isso, por exemplo, para quê? Talvez mais para frente ainda o papai diga que não pode participar porque a malvada mãe da criança mentiu para o juiz. E o que se diria à criança para embasar uma ação de destituição do poder familiar? Horrível. Beco sem saída. Criminalizar? Para quê? Ainda que fosse não resolveria a questão da ausência, do alienar-se de forma proposital e não assumida, que tantas vezes dilacera os sentimentos d@s pequen@s.

Gostaria mesmo que esses pais fossem obrigados a se matricular em cursos de "como amar uma criança" no qual fossem estimulados a refletir sobre as consequências deste tipo de alienação e terem estágios de convivência com as crianças analisados. Educação forçada tem algum alcance? Não sei, mas algo deve ser tentado e que profissionais da sociedade, ou seja, não de instâncias do Sistema de Justiça, fossem os educadores e educadoras, Penso além, tais profissionais devem beber saberes do feminismo sim, da educação com apego, da criação humanizada. Até para as mulheres que não permitem a convivência entre pai e filh@s o caminho, em minha opinião e se for caso de mágoa, é poder acolher, ouvir e dizer: "certo, você tem razões em sua mágoa, mas vamos pensar outros caminhos para as crianças" e não negar o direito à mágoa ou a inferiorizar, julgar moralmente por isso.

Recentemente ouvi dois relatos sobre pais que pagam bem irregularmente a pensão alimentícia e que ainda assim ingressaram com ação de regularização de visita com o argumento óbvio de que são impedidos pela mãe das crianças de ter contato, apresentando-se como pai exemplares, entristecidos pelo distanciamento forçado e tal. Nos dois casos me chamou atenção o fato de que as mulheres ao tentarem argumentar que não eram contra a convivência e sim sobre a forma pela qual o pai queria, desrespeitando o período de amamentação, inclusive, ouviram frases como "ele tem razão. Nós (judiciário) estamos cheios de casos de crianças que os pais desapareceram. Este aqui quer estar com @s filh@s e se você os ama tem que agradecer". E a vida segue. Nada aprofundado. O machismo agradece.

Acredito, todavia, nas mudanças trazidas pela luta diária. Prefiro imagens de mulheres guerreiras que abrem caminhos, ainda que dele não possam desfrutar a tempo, à imagem da Justiça Cega. 

E essa pequena reflexão-desabafo de hoje trás à minha lembrança o verso do poema Consolo na praia, de Carlos Drummond de Andrade:

"a injustiça não se resolve
 a sombra do mundo errado
 murmuraste um protesto tímido, mas virão outros".





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